Receita identifica R$ 11,4 bi em compensação tributária irregular
Fonte: Valor Econômico
A Receita Federal identificou cerca de R$ 11,4 bilhões em compensações
tributárias que considera irregulares nas duas hipóteses previstas pela medida
provisória (MP) alternativa ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF),
voltada a restringir o uso indevido de créditos fiscais. Desse total, R$ 4,79 bilhões
correspondem a compensações com créditos de Programa de Integração Social e
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins) não
vinculados à atividade econômica, realizadas durante a vigência da MP.
Outros R$ 6,6 bilhões decorrem de operações embasadas em documentos de
arrecadação inexistentes, relativos aos últimos cinco anos, inclusive o período em
que a norma esteve em vigor.
Os dados foram obtidos pelo Valor via Lei de Acesso à Informação (LAI). Apesar
de as compensações serem consideradas irregulares pela Receita, os R$ 11,4 bilhões
não necessariamente se traduzirão em arrecadação direta para o governo federal.
A MP alternativa ao IOF, publicada em 11 de junho, perdeu a validade após não
ter sido votada pelo Congresso Nacional dentro do prazo, que se encerrava em 8
de outubro. Ela previa arrecadação de R$ 10,5 bilhões em 2025 e de R$ 20,87
bilhões em 2026, valores que incluíam também mudanças na taxação dos Juros
sobre Capital Próprio (JCP), de fintechs, empresas de apostas esportivas e títulos
privados incentivados. A principal fonte de receitas, contudo, era justamente a
revisão das regras de compensação tributária, com potencial de gerar cerca de R$
10 bilhões em 2025 e em 2026. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
confirmou que a equipe econômica vai reenviar a proposta ao Congresso na forma
de projeto de lei.
Os R$ 6,6 bilhões em compensações indevidas estão ligados a um passivo mais
antigo, formado principalmente por fraudes com Guias da Previdência Social
(GPS), em que contribuintes declaravam pagamentos indevidos de contribuições
previdenciárias para gerar créditos inexistentes.
Com a migração para o eSocial e o uso da Documento de Arrecadação de Receitas
Federais (Darf), esse tipo de fraude tende a desaparecer, mas ainda há este resíduo
a ser tratado. O montante de R$ 6,6 bilhões é considerado baixo em relação ao
total de compensações classificadas como “pagamento indevido ou a maior”, que,
a título de exemplo, somaram R$ 24,7 bilhões apenas entre janeiro e setembro de
2025.
No entanto, o foco central da MP, desde o início, foram os créditos presumidos
de PIS/Cofins incompatíveis com a atividade econômica, com o objetivo de
aperfeiçoar os mecanismos de recuperação desses valores e reforçar a arrecadação.
Apesar de terem sido realizadas compensações de R$ 4,79 bilhões com créditos
presumidos de PIS/Cofins utilizados de forma indevida durante a vigência da MP,
esse valor não representa arrecadação imediata. Isso porque as operações serão
consideradas “não declaradas” e os contribuintes terão de quitar os débitos por
outros meios e poderão, ainda, discutir judicialmente a decisão que considerou a
compensação não declarada. O pagamento poderá ocorrer por arrecadação direta
- neste caso, haveria aumento imediato de receita, ou por meio de parcelamento.
Existem duas modalidades de compensação tributária: a não homologada, que não
prevê multa e mantém a exigibilidade do débito suspensa enquanto o processo
estiver em análise; e a não declarada, aplicada a casos mais graves, que implica
multa e torna o débito exigível durante o período. Com a queda da MP, a Receita
Federal ainda discute internamente como tratar seus efeitos. A medida havia criado
essas duas novas hipóteses de compensações “não declaradas” (documento
inexistente e créditos incompatíveis com a atividade econômica), mas, com a
caducidade, essas situações voltarão a ser enquadradas no regime padrão de
compensações não homologadas.
A Receita Federal também não iniciou as ações de indeferimento e cobrança das
compensações indevidas feitas durante a vigência da MP, que estão em fase de
planejamento. O órgão argumenta ainda que não é possível estabelecer uma relação
direta entre a variação da arrecadação e a nova legislação, já que o comportamento
das receitas federais é influenciado por diversos fatores macroeconômicos, como
inflação, mudança de trajetória de indicadores e tarifas sobre as exportações
nacionais.
Por outro lado, a Receita aponta que é possível traçar um comparativo entre os
valores compensados antes e após a introdução na nova legislação. Entre julho e
setembro, por exemplo, o número de compensações com créditos de PIS/Cofins
caíram 37%, passando de R$ 8,9 bilhões para R$ 5,6 bilhões. No entanto, houve
alta em julho, comparado com o mês anterior, que foi de R$ 4,4 bilhões. Também
de julho a setembro, as compensações por pagamento indevido ou a maior
recuaram 13%, de R$ 3,18 bilhões para R$ 2,75 bilhões. Em junho, foi de R$ 2,65
bilhões.
A advogada do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados Maria Raphaela
Matthiesen explica que não é possível, com as informações disponíveis, estabelecer
uma relação de causalidade entre a queda das compensações e a medida provisória.
Embora uma das causas possíveis para essa queda esteja associada ao
comportamento mais cauteloso dos contribuintes, a redução pode decorrer “de
outro motivo, como eventual redução dos débitos a compensar no período”.
“É possível que tenha havido queda porque, com a MP, os contribuintes que
realizavam compensações indevidas deixaram de fazê-lo, por receio de serem
enquadrados na nova norma. Nesse caso, a queda teria ocorrido em razão da MP”,
afirmou.
O economista Adriano Subirá, professor de tributário na Jornada Tax, CRC/PR e
na G4 Educação, observa que os dados da Receita indicam queda nas
compensações de PIS/Cofins em maio, antes da edição da medida provisória,
seguida de nova redução em junho, mês de publicação da MP, mas com forte alta
em julho.
“Mais do que dobra de junho para julho. O contribuinte pode ter segurado os
pedidos nos primeiros dias de junho, após a edição da MP, para entender seus
efeitos, e parte desse volume acabou sendo compensada no mês seguinte. Parece
um efeito de segunda ordem. O governo fala que vai fechar a torneira. Então o
pessoal fala ‘vai fechar torneira, então deixa eu enviar o que tenho antes’. Já em
agosto, o valor fica em torno de R$ 7 bilhões e, depois, retorna ao patamar de R$
5 bilhões”, comentou.
Diante desse comportamento, Subirá avalia que a projeção de arrecadação de R$
10 bilhões para 2025 pode estar superestimada. “Ou o valor foi superestimado, ou
não se previu um efeito de segunda ordem, possivelmente porque não se esperava
esse ‘soluço’ de R$ 4 bilhões em julho. Essa diferença já explica uma possível
frustração em relação aos R$ 10 bilhões projetados.”
O economista acrescenta que estas projeções costumam se basear em modelos
estáticos, e não em modelos de equilíbrio dinâmico, o que limita a capacidade de
capturar plenamente os desdobramentos econômicos. “Na prática, há efeitos de
segunda e terceira ordem que não são possíveis de prever”, diz.